Mulheres autistas: elas existem e precisam de atenção
Não é segredo que meninas e mulheres autistas foram apagadas da história do espectro. Essa visão tem mudado ao longo dos últimos anos, uma vez que a comunidade científica reconheceu a lacuna nos estudos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) atrelado às questões genéticas, ambientais e sociais dos gêneros.
Esse apagamento resultou não só numa onda histórica de subdiagnósticos, que certamente prejudicaram a vida dessas pessoas em diversos níveis, mas também na falta de compreensão e de ferramentas que voltem o olhar às necessidades das mulheres autistas. Por isso, é mais do que necessário nos atualizarmos sobre este tema para sermos capazes de acolher, incluir e auxiliar as mulheres no espectro.
Afinal, o autismo é mesmo mais comum em homens?
Apesar da discussão sobre o autismo em mulheres ter ampliado seu alcance, está enraizado o pensamento de que os homens são protagonistas no espectro. Antes de desenvolvermos melhor esta questão, é preciso ressaltar que o TEA se manifesta de maneiras diferentes até entre pessoas do mesmo sexo ou nível de suporte.
Ainda há quem acredite que a prevalência do TEA seja de 1 mulher para 4 homens, por exemplo. Entretanto, vários estudos têm identificado uma diferença cada vez menor entre os dois grupos. Em 2019, uma análise publicada na revista científica Autism Research apontou que a proporção entre meninos e meninas autistas pode ser de 3,25 para 1.
É difícil saber quando a ciência chegará numa conclusão sobre as causas específicas do TEA e, assim, captar a incidência exata do transtorno entre homens e mulheres. Mas por enquanto, podemos discorrer os motivos pelos quais elas são subdiagnosticadas nesse quesito.
Mas por que as mulheres autistas são subdiagnosticadas?
A pesquisa sobre autismo em mulheres é limitada. É o que sugere um estudo publicado em 2019 na revista Molecular Autism: as mulheres com autismo são sub-representadas nos materiais científicos, o que pode levar a diagnósticos imprecisos e tratamentos inadequados.
Um dos fatores que pode explicar essa sub-representação é de que a ciência estabeleceu os critérios diagnósticos do TEA a partir de estudos realizados exclusivamente com homens – logo, não se criou uma noção de como o transtorno se manifesta nelas.
Outro fator muito importante e que deve ser considerado é que, historicamente, as mulheres foram socializadas de forma diferente dos homens. Não há muito tempo, existiam ‘papéis’ separados entre os dois grupos, e elas sempre ocuparam os espaços que requeriam mais socialização: esposas, mães, enfermeiras, professoras… Felizmente isso mudou e as mulheres têm cada vez mais autonomia para serem aquilo que quiserem. Porém, quando se trata do autismo, esta carga histórica é apontada como um dos fatores que as ajudam a mascarar as características do transtorno – o famoso masking.
O masking, termo em inglês que deriva da ideia de mascarar, camuflar ou fingir, tem sido muito utilizado nos debates sobre autismo entre mulheres do nível 1 de suporte. Ele está relacionado ao fato das mulheres autistas, em sua maioria, camuflarem suas dificuldades sociais e, assim, serem subnotadas entre os pacientes do espectro. Com isso, muitas acabam recebendo seus diagnósticos já na vida adulta, ou sequer são diagnosticadas.
Quais são as características do autismo em mulheres?
Antes de falarmos das características do TEA em mulheres autistas, precisamos falar também de como as nossas meninas podem manifestá-lo. Isso porque se trata de um transtorno do neurodesenvolvimento, causado por alterações genéticas no cérebro e que estão presentes desde o nascimento, como explicamos no nosso artigo sobre o mito do autismo virtual.
Sendo assim, é importante nos atentarmos nos sinas de autismo em meninas e mulheres que podem ser identificados ainda na infância. São eles:
- Dificuldade em fazer amigos e manter relacionamentos sociais;
- Hiperfoco em interesses específicos, como animais ou personagens de desenhos animados;
- Comportamento repetitivo ou rotineiro, como contar ou organizar objetos de maneira particular;
- Comportamento mais passivo e silencioso do que os meninos com autismo;
- Dificuldade em interpretar ou expressar emoções e sentimentos.
No entanto, sabemos que muitas mulheres autistas só recebem um diagnóstico na idade adulta, quando já passaram por uma série de dificuldades sociais e emocionais. Algumas características que elas podem apresentar são:
- Dificuldade em entender e interpretar as emoções dos outros;
- Ansiedade social e dificuldade em fazer amigos ou manter relacionamentos;
- Interesses intensos e específicos em tópicos como história, música ou arte;
- Hiperfoco em rotinas e rituais, com dificuldade em lidar com mudanças ou imprevistos;
- Dificuldade em se adaptar a ambientes sociais, como festas ou reuniões, e a preferência por ambientes mais silenciosos e controlados;
- Sensibilidade sensorial elevada, incluindo aversão a certos sons, texturas ou sabores;
- Dificuldade em entender metáforas e expressões idiomáticas comuns, bem como em compreender o sarcasmo e o humor sutil.
Além disso, pesquisas indicam que mulheres autistas são mais propensas a desenvolver problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, bem como a distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia.
As dificuldades de mulheres autistas numa sociedade que não as compreende
Infelizmente, muitas vezes as pessoas com autismo, especialmente as mulheres, são mal compreendidas pela sociedade por não se comportarem de maneira adequada. Com isso, sofrem exclusão não só da comunidade científica, mas da sociedade no geral. Aqui estão alguns exemplos de situações que podem ocorrer:
- Falta de contato visual ou de resposta social adequada, que pode ser interpretado como falta de interesse ou de educação;
- Comunicação direta e objetiva, sem filtros sociais ou linguagem figurativa, que pode ser interpretada como falta de empatia ou insensibilidade;
- Falta de interesse em atividades típicas do gênero, como maquiagem ou moda, o que pode levar a estereótipos de masculinidade ou desinteresse em si mesma;
- Comportamentos repetitivos, como balançar ou mexer as mãos, que podem ser interpretados como comportamentos inadequados ou infantis;
- Hipersensibilidade a estímulos sensoriais, como luzes brilhantes ou sons altos, que podem ser interpretados como exagerados ou dramáticos;
- Necessidade de seguir rotinas e horários rígidos, que podem ser interpretados como inflexibilidade ou teimosia.
Diagnóstico, acolhimento e inclusão
Como vimos, as mulheres autistas enfrentam diversos desafios em relação ao diagnóstico, tratamento e compreensão do transtorno. Por isso, é importante que profissionais de saúde estejam cientes dessas diferenças e trabalhem para fornecer um diagnóstico preciso e cuidados adequados para suas pacientes.
Ao aumentar a conscientização sobre mulheres autistas, podemos garantir que elas tenham a oportunidade de alcançar seu pleno potencial e viver vidas plenas e significativas. Afinal, elas são muito mais do que um laudo: são pessoas que têm sonhos e metas e, com o apoio adequado, podem ser capazes de alcançar seus objetivos.
É importante ressaltar que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento e que pessoas do mesmo sexo ou até do mesmo nível de suporte podem manifestá-lo de maneiras diferentes. O espectro é muito diverso e compreender sua pluralidade é essencial!
No canal do YouTube da Mayra Gaiato, há uma playlist que pode te ajudar a compreender melhor o autismo entre meninas e mulheres. Confira: